ENTREVISTANDO NOSSOS ACADÊMICOS - Renato Prata


ENTREVISTANDO NOSSOS ACADÊMICOS
RENATO PRATA - Cadeira n. 20 



1. Quem é o entrevistado analisado sob sua própria ótica?


[RP] Direi que sou um poeta tardio, com certa inquietação para construir ou consolidar sua obra, visto que comecei a produzir já na segunda metade da vida. E não com o deslumbramento e espontaneidade do jovem, mas consciente de que a poesia é maior e mais exigente do que as veleidades do autor.
 
2. Quando começou a escrever e como define sua preferência literária para criar?

[RP] Comecei a escrever ao final do  século, como espécie de última oportunidade de expressar-me literariamente. Quando adolescente descobri o universo da leitura. Algo definitivo e inaugural. Tornar-me, também eu, um escritor, um prosador como Alencar, Machado, Eça e, devidamente traduzidos, Hugo, Dumas, Zola, Gide e outros, muitos outros (tenho que incluir os russos: Gorki, Dostoievski, tantos...).

Não escrevi nenhum romance tal qual Zé Lins, Graciliano ou Adonias e Jorge Amado. As atividades profissionais e aquelas do dia a dia talvez sirvam para justificar a falha de não ter tentado o sonho juvenil. Talvez... O certo é que me voltei para a poesia, em plena maturidade e com um sentimento de urgência, de quando a barca já apitou a partida.

3. Seus textos são produzidos com facilidade ou demora algum tempo, reescrevendo-os?

[RP] Segundo o mandamento de Carlos Drummond, não adulo o poema. Mas fico à disposição da poesia e, de ordinário, invisto parte da manhã nesse mister ou mistério. Captada a música do poema, pode ocorrer a solução já em versos, ainda que parcialmente. Não consigo transcrever um texto de minha criação sem tentar melhorá-lo. Ou perdê-lo, às vezes.

4. Qual o processo de criação dos seus textos? De onde vem a inspiração?

[RP] O processo de criação lá tem seus caminhos. Ora, a combinação de palavras (pelo sentido, pela sonoridade,etc.). Ora, pelo assalto de alguma sensação rememorada... Pelo simples fato observado da vida em torno (voz à distância, luz e sombra, umidade do vento...).algum paralelo descabido, gente bonita. Um não acabar: Tudo é matéria de invenção poética, se esta se fizer presente.

5. Qual a obra predileta de sua autoria? Lembra de algum trecho?

[RP] Neste momento, em face dos quesitos específicos sobre o autor, citaria um trecho de "Contramão” (Sob o cerco de muros e pássaros, p.17):
Uma sorte de insônia
A minha sorte
De deitar com a poesia
Na idade das memórias acordadas.
Outro, de "Passagem para o século XXI" (Antologia Poetas da Bahia II, p.139):
                            (...)
Nem assim me formei poeta
Só por horror à miséria econômica
Virei empregado do governo
Longe da poesia, essa coisa imprópria,
Mas relativamente hígido
E à margem da fortuna colocado.

Breve, mais para a velhice
Terei a saúde que tiver
Com percepções e proventos.
Suspeito porém que de futuro
Já processadas as neuras do século
Ninguém assuntará nesta loucura mansa.

6. Sem preocupações cronológicas e de estilo literário, quais os seus autores favoritos?

[RP] Autores favoritos: García Lorca, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Drummond, Mário Quintana...

7. Cite um autor que influenciou ou mudou sua forma de ver o mundo.

[RP] Entre outros: Machado de Assis, Monteiro Lobato, Fernando Pessoa, João Ubaldo Ribeiro, Cyro de Mattos.

8. Há quem diga que os poetas são loucos e sonhadores. Qual é a sua opinião pessoal?


[RP] Modéstia à parte, sinto-me suspeito. Mas loucos e sonhadores somos todos os mortais. Os poetas, talvez, às escâncaras, impulsionados por uma visão iluminada das coisas. Assim: Castro Alves, Baudelaire, Vinicius, Rimbaud, Sá-Carneiro, Camões, Glauber Rocha.

9.Tem obras publicadas ou só publica em blogs, jornais e revistas?

[RP] Tenho apenas três livros publicados: Sob o cerco de muros e pássaros (Salvador: Casa de Palavras, 2003), A quinta estação (Salvador:Ed. do Autor, 2007) e A Pulseira do tempo (Ilhéus,BA:Mondrongo, 2012). Não tenho oportunidade de publicar em periódicos.

10. Encontra dificuldade para publicar e divulgar seus trabalhos?

[RP] Como só publico poesia, considero difícil qualquer forma de divulgação da minha obra.

11. Qual a sua opinião sobre a publicação digital (e-book), hoje tão atual?

[RP]  Não tive a chance de apresentar criações inéditas na web ou via blogs. Ainda não experimentei.

12. A internet fez surgir mais escritores. Houve realmente a democratização da literatura?

[RP] Naturalmente percebo a revolução que a Internet representou. Fico imaginando um ponto de equilíbrio entre a facilidade para divulgar as matérias e uma eventual poluição de textos não amadurecidos. Em outras palavras: a supressão do filtro "da gaveta"... Mas toda inovação importa em riscos.

13. Tem prêmios literários?

 [RP] Concorri a vários. Até o presente recebi o Prêmio Braskem Cultura e Arte (Poesia) 2003.

14. Com a sua experiência que conselho daria a alguém que começasse a escrever nos dias atuais?

[RP] Não me sinto autorizado a ministrar conselhos. Normalmente tal começo dá-se na juventude, é quando se deve ousar... Vai dar tempo para investir noutro cometimento, se não se tratar de uma inclinação incontornável. No campo da arte não vale o mais ou menos.
 
15. O que acha imprescindível para um autor escrever bem?

[RP] Ter a compulsão de fazê-lo, contra toda solidão, e a prudência de submeter seu resultado ao teste do tempo.

16. O escritor só se considera um escritor de verdade quando publica um livro. Por que a internet não traz esse sentimento de realização para o escritor?

[RP] Não saberia responder. Pode-se presumir algum preconceito importado do século anterior. A existência do objeto livro, fisicamente compulsável, provavelmente ainda nos influencia.

17. Para concluir nossa entrevista envie um texto em prosa ou em verso de sua autoria.

[RP] Envio o seguinte texto de minha autoria:

Tercetos do andarilho

 O caminho se faz andando?
A menos que já exista
Pista real de mão dupla.

O caminho se faz andando
De bonde ou mesmo a cavalo
Quando nos é confortável
O caminho nos faz. E, andando
Refazê-lo é um carinho
Pudera alguém nos assista.
Ando só – pelo meu tempo
Dando esses passos possíveis
Não sei se fui um caminho.

   (A Pulseira do tempo, p.23)