RECONCILIAÇÃO COM O ADJETIVO ( Crônica para Antônio Lopes ) - Sônia Maron





RECONCILIAÇÃO COM O ADJETIVO
                                                             Sônia Carvalho de Almeida Maron *
  
              Em minha relação com a palavra escrita não consigo simpatizar com os adjetivos usados com frequência ou exagero. De fácil compreensão nas aulas de português do Ginásio Divina Providência, ministradas pela professora Odete Midlej, aprender, eu aprendi muito bem, mas não gostava do que escrevia, quando o adjetivo entrava como penduricalho, às vezes inútil. Certamente, por esse motivo, não consegui adotar com desenvoltura a linguagem da minha formação profissional: “juridiquês”. Um horror !  Doía, acreditem, tratar de “meritíssimo” quem mérito não tinha; “excelentíssimo” quem nada tinha de excelente e, se o tratamento era dirigido ao segundo grau, ainda pior: “colenda” câmara ou turma; “excelso” ou “preclaro” relator; “nobilíssimo”, “ínclito”, “insigne” e por aí vão os adjetivos e superlativos, uma enxurrada de lugares comuns e expressões vazias que nada dizem nem acrescentam, impedindo, muitas vezes, a precisão na descrição do fato, o fluir do raciocínio lógico na análise da prova e a objetividade e clareza no desfecho desejado para a adequação do fato à norma existente. Ou mesmo a discreta insubordinação do intérprete que busca domar a norma, lapidar por vezes a obscuridade e imprecisão, fazendo com que ela se agigante para alcançar a sua verdadeira função social. É aí que o “juridiquês” radical e fundamentalista  atrapalha, pois não se harmoniza ao pensar filosófico ou sociológico e, muito menos,  ao bom senso.
              Para completar, a pós-graduação na UFPE, veio ao encontro da minha convicção: o professor doutor Raymundo Juliano do Rêgo Feitosa, coordenador do mestrado e responsável pelo ensino de metodologia do trabalho científico que nos  aconselhava fugir dos adjetivos como o diabo da cruz. Para mim, foi a glória !  Ora, um PHD pela Universidade de Salamanca devia saber o que estava dizendo.
              E assim, fui vivendo, brigando com os adjetivos e usando-os com a economia de um avarento, quando usa o dinheiro: somente o necessário e indispensável,  até mesmo na área sacrossanta do “juridiquês”. Eis que, um dia, chegou às minha mãos, como presente do autor, um dos livros do amigo Antônio Lopes, com o subtítulo “Trinta e cinco crônicas e duas louvações”, nas 181 páginas de uma Estória de facão e chuva. E agora? Minhas limitações na área de Letras impedem que eu adentre no campo da crítica literária, fazendo resenha ou  coisa  semelhante. Fiquei inquieta, porque quero falar ou escrever e não sei. Não vejo saída, a não ser o pronto socorro dos adjetivos. Olha, Lopes, seu livro é delicioso, gostoso, crocante, como diria Ana Maria Braga nas receitas televisivas. E ainda é pouco, vou mais além: meu irmão Edvaldo Brito costuma dizer que, se  não conseguimos definir alguma coisa, dizemos que é “fofa”... Acredite, Lopes, seu livro é fofo!

                 

*Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA