A PRESERVAÇÃO DE UM TALENTO - Sione Porto




* Sione Porto



    


            Entre nós, o ilheense Ruy do Carmo Póvoas, também orgulho dos itabunenses, um dos membros fundadores da Academia de Letras de Itabuna, onde ocupa a cadeira nº 13.
           Babalorixá, licenciado em Letras pela antiga Faculdade de Filosofia de Itabuna, Mestre em Letras Vernáculas pela UFRJ, professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, poeta, contista, ensaísta, fundador e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Baianos Regionais – KÀWÉ, criador do Terreiro Ilê Axé Ilexá, de origem nagô. Na Academia de Letras de Ilhéus, ocupa a cadeira nº 18.
          Esse brasileiro, baiano, nascido em 1943, itabunense por adoção de todos grapiúnas, além de já ter presenteado os amantes da literatura com várias obras, como Vocabulário da paixão, A linguagem do candomblé, Itan dos mais-velhos, Itan de boca e ouvido, Fala do santo, Verso e Reverso, A memória do feminino no candomblé, dentre outros escritos, brilha aos bem vividos setenta anos, com a magnífica historiologia de Mejigã e o contexto da escravidão, da qual participa como escritor e estreia como organizador, lançada pela Editus, editora da UESC.
         Destacam-se, na bela obra:
         Mary Ann Mahony, com o texto Em busca de Mejigã e sua família: um diálogo entre a oralidade e a documentação escrita;
         Marialda Jovita Silveira, com Ritos da palavra, gestos da memória: tradição oral numa casa ijexá;
         Maria Consuelo de Oliveira Santos, com Ilê Axé: lugar de terapia e resistência;
         Teresinha Marcis e Ivaneide Almeida Silva, com Uma experiência de transcrição e análise de documento histórico: resistência e negociação escrava no Engenho Santana (fac-símile);
         Kátia Vinhático Pontes e Flávio Gonçalves dos Santos, com Reflexões sobre África e sobre o Engenho das Revoltas;
         André Luiz Rosa Ribeiro, com Cultura e Etnicidade na América portuguesa: as irmandades negras, séculos XVII-XVIII;
         Carlos Roberto Arléo Barbosa, com São Jorge dos Ilhéus: um panorama histórico;
         Ruy  Póvoas, com Mejigã: uma trajetória histórica (abertura) e com Do Engenho de Santana ao Ilê Axé Ijexá: o final do contexto da escravidão (fechamento).
         Retrata o escritor e organizador da obra, a restauração dos fatos históricos da escravidão na Região Sul da Bahia, precisamente Engenho de Santana, município de Ilhéus, através da oralidade de Mejigã, mulher negra, escravizada, cujo nome cristão foi recebido como Inês, antes sacerdotisa de Oxum, aprisionada e trazida da Nigéria, sul de Ilexá, para o Brasil, ícone da resistência negra, é a sacerdotisa parte de linha de ascendência do escritor.
         A apresentação dessa historiografia passada no Engenho de Santana nos oferta uma obra suprema, rica em cultura, religião, terapia da medicina, apesar dos sofrimentos com o preconceito e discriminação de uma Ilhéus escravocrata, que açoitava e oprimia um povo esquecido alhures.
         A narrativa em retalhos de Mejigã, hoje, transformada em escritos importantes pelo mestre Ruy, resgata a saga de um povo negro e seus afrodescendentes, excluída pela aristocracia luso-brasileira, que suspirava pela essência da liberdade, e servirá de modelo educacional e cultural, que certamente cruzará o Atlântico.


*SIONE PORTO é  poeta, escritora e diretora de comunicação da Academia de Letras de Itabuna (ALITA)