DUETOS POÉTICOS - Ruy Póvoas e Ceres Marylise /// PREOCUPAÇÃO /// MIM TECIDO - Ruy Póvoas






DUETOS  POÉTICOS
RUY PÓVOAS  E CERES MARYLISE


I - Sobre o tempo



 

DESCOBERTA

Ruy Póvoas



À revelia de mim

(nem sequer me perguntou),

o Tempo, sem piedade,

o meu rosto mapeou.

Desfolhou minha cabeça,

aumentou minha barriga,

diminuiu o meu fôlego,

aumentou minhas saudades,

mistura de mel e sal,

num travo de amargor.

Depois, devagarinho

(para que eu não percebesse),

me jogou num labirinto

e minha existência definhou.

E quando dei conta de mim

(descobri boquiaberto),

Senhor Tempo, espertamente,

fez de mim corpo cansado,

e de um tecido amarrotado

me vestiu a fantasia

neste corpo de senhor.



O TEMPO NÃO PARA

Ceres Marylise



 Os sonhos que no tempo iam ligeiros

e eram companheiros de espera,

foram sendo aqueles os primeiros

da infância em tons de aquarela.



Não havia caminho entrecortado;

somente um sonho era pretendido:

o tempo do futuro desejado,

no mundo para mim desconhecido.

 

O tempo que jamais para seu passo

passou rapidamente em meu caminho,

levou meus despertares ao ocaso,

impondo restrições devagarinho.

 Passaram minha infância e juventude

e a solidão se fez amiga inseparável.

A vida, então, aos poucos, perdeu brilho,

e o tempo foi ficando insuportável.





II - Sobre a palavra



PALAVRA AFIADA

Ruy Póvoas
Fica a face apedrejada
Pela palavra proferida
Mas a boca apedrejante
Fica também ferida.

E muito mais dilacerada
Fica a boca emudecida
Por não dizer ao outro
As dores de sua ferida.

Muito dolorida é a boca
De palavra enferrujada
Que ao beijar o amor
Fere com dura espada.

Muito mais de tudo isso
É a boca calada,
Uma língua emudecida
Ou a palavra negada.

A ofensa, a palavra dura,
A mágoa, a incerteza,
Se são ditas, são sabidas
E propiciam defesa.

Mas a palavra afiada
Arma de muito perigo
E quem dela faz o uso
Pode matar o amigo.



SEM RETORNO

Ceres Marylise


Arrefecido o  ânimo exaltado,

te arrependeste do que declaraste
e já não és dono do que proferiste.


Agora és parte a mais do mecanismo
que te escraviza
e logo se faz carne
de tua própria palavra
em desatino.



E num presságio que dá calafrios
algo te diz
que inevitavelmente,
virão ainda
alguns invernos frios.







III - Sobre o rio



Grapiúna

Ruy Póvoas

Este rio é minha memória
O cordel de minha estória
Minha sela e minha espora
Criador de lavadeiras
Cevador de areeiros
Salvação de pescadores
Arquivo de minha história
Intuição de meus artistas
Um riscado no meu chão
Divisor de meu espaço
Diástole de meu tempo
Sístole de minha fome
Minha artéria esclerosada
Quadro-negro da escola
Sobre o qual estão os versos
De minha gênese e de meu fim.
Este rio é minha sorte
Com ele aprendi a vida
Com ele estudo a velhice
Com ele adivinho a morte
Na corrida para as águas
Do oceano que há em mim.




MEU RIO

Ceres Marylise



Nas águas tranquilas do meu rio,
eu levantava velas, navegava,
e adormecia a contar estrelas
na ilha onde sempre acampava.

Das suas cristalinas correntezas
fluíam melodias que embalavam
os meus pequenos sonhos de bravura:
ali estava meu país de equidade.

Nas peregrinações de minha mente
somente seres bons as habitavam,
inofensivos ao mundo como eu,
uma criança sempre deslumbrada!

Muitos foram meus anos de ausência
e hoje encontro meu rio diferente,
abandonado, estreito, maltratado...
também envelheci, obviamente.

Aqui estou a contemplar nosso cansaço,
nosso ocaso refletido em suas águas,
onde o tempo já mostra suas cinzas
na solitária noite dos meus passos.





RUY PÓVOAS  
SENTIMENTOS EM VERSOS
PRÉ-ANIVERSÁRIO






PREOCUPAÇÃO

De repente, a vertigem,
o corpo leve, querendo vencer
a gravidade:
o amor de Maria,
o pão de cada dia,
a tristeza aniquilada
pelas ondas da alegria.
Ah, viver assim:
sem estupor,
sem agonia,
sem ameaças,
sem maresia.
Será assim,
algum dia?

Ruy Póvoas
09/05/2013






MIM TECIDO


 
Ser de outro planeta?
Que seja.
Ser de outro planeta?
Tenho sido
na seda
do tecido
que me teci.
Mas me puseram
em barafunda,
em bastidor,
e me teceram.
E o fio tecido,
bem torcido,
retorcido,
empretecido
em fuso antigo,
eterno pêndulo

vai e vem
vem e vai

vai e vem
vem e vai

vai e vem
vem e vai

Ruy Póvoas - 10/05/2013