PARABÉNS, ILHÉUS! - DOCE ILHÉUS - Marcos Antônio Santos Bandeira






DOCE  ILHÉUS

*Marcos Antônio Santos Bandeira


A magia proporcionada pelos encantos da princesinha do Sul deitada nos versos do poeta Melo Barreto Filho  é sublime e transcende os limites do universo palpável da realidade social. A sua cor morena de “Gabriela Cravo e Canela” abre espaço para aspirarmos os odores do fermento do fruto de ouro oriundos dos cochos das fazendas de cacau, de que falava o escritor Hélio Pólvora. O Estuário do Pontal, ponto de encontro do Rio Cachoeira com o mar, serviu de inspiração para Adonias Filho divisar “Jindiba”, a árvore testemunha da então vila de pescadores do Pontal, onde suas mulheres começaram a perder seus maridos para o misterioso mar, a exemplo de Lina do Malhado.
 Nessas terras do sem fim, onde foram imortalizadas tocaias e lutas sangrentas, como a do Coronel Basílio Oliveira e Juca Badaró e seus jagunços, passando pela disputa do poder político entre o coronel Pessoa e o coronel Domingos Adami de Sá (Intendente que construiu o atual prédio da Prefeitura Municipal de Ilhéus), desfilaram ilustres personalidades, como o jovem João Mangabeira, então bacharel em direito naquela época (1897), com dezessete anos e que aos vinte, já era intendente e deputado Federal, chegando a ser Ministro de Estado do Governo, cuja visão socialista e humanista o fez deixar para os pósteres a seguinte lição:

 "Não basta a igualdade perante a Lei.
  É preciso igual oportunidade.
  Igual oportunidade implica igual condição.
  Porque, se as condições não são iguais,
  Ninguém dirá que sejam iguais as oportunidades."

João Mangabeira, segundo relato do saudoso Raimundo Sá Barreto, no exercício da intendência, aproveitou a parada de um navio que procedia da Europa com destino ao Rio de Janeiro e comprou as pedras inglesas que serviam de lastro no navio e que seriam utilizadas como calçamento no Mercado São Sebastião, no Rio de Janeiro, para construir o da Rua Antonio Lavigne de Lemos, no centro de Ilhéus.

A capitania de São Jorge dos Ilhéus coube ao escrivão da Fazenda Real de Portugal,  Jorge Figueredo Correia, que impedido de vir, mandou em seu lugar o jovem Francisco Romero, o qual partiu do Rio Tejo em 1535 chegando nestas terras no mesmo ano, aportando inicialmente na ilha de Tinharé, depois no Morro de São Paulo, para finalmente fixar-se no cume do outeiro de São Sebastião, recebendo, a sede, inicialmente, o nome de Vila de São Jorge. A primeira igreja matriz foi construída no ano de 1556. A extensão territorial era muito grande, abarcando em seu leito, Itabuna, Itajuípe,  até o território onde hoje se encontra edificada a capital Brasília. De lá para cá serviu de cenário para muitos fatos sociais que se imortalizaram ao longo do tempo, como o romance do árabe Nacib e Gabriela, o coronelismo de Misael Tavares, que exerceu o cargo de intendente e foi considerado o “rei do cacau”. Viajando nas asas da ficção e da realidade da região cacaueira não podemos esquecer da figura de Juca Badaró e Horácio da Silveira nas lutas com sangue nestas terras.
Ilhéus deriva de ilhéu, que traduz habitante da ilha e sua beleza majestosa é pontificada na Catedral Dom Eduardo, cuja abóboda é vislumbrada de todos os lados, mas  seu feitiço maior alcança as pessoas que passam pela ponte que liga Pontal a Ilhéus e volta as vistas para o outeiro de São Sebastião vendo-a esgueirando-se por sobre os ombros do morro. Um pouco mais atrás avistam-se os espigões da Igreja da Piedade, como se fossem arranhar os céus fazendo lembrar que a cidade de São Jorge está a seus pés.
Antes da construção da ponte, os moradores do Pontal, grande parte formada por pescadores e nativos,  utilizavam  barcos e balsas para se deslocarem ao centro da cidade que o pontalense aprendeu a chamar de “Ilhéus”. Não obstante o poderio econômico e político, foi demorada e difícil a construção da ponte, conforme se pode aferir nos versos de Alberto Hoisel, extraídos do discurso de posse na Academia de Letras de Ilhéus do escritor Antonio Lopes em seu livro “ Solo de Trombone”:
Versos de Alberto Hoisel:

"De moda sai o colete
em tempo que longe vai
sai Getúlio do Catete
só essa ponte não sai!

Saem Herval da Prefeitura
(seu prestígio, não decai!)

Catalão , da Agricultura...
Só essa ponte não sai!

De Abel um livro de haicai...
E Ilhéus, Terra do Cacau...
Sai livro bom, livro mau.
Só essa ponte não sai!"

Nessas terras do sem fim desfilaram personalidades ilustres que fizeram história como o advogado Ruy Penalva, o médico Soares Lopes, o meu inesquecível professor de Direito Romano Hamilton Ignácio Castro com seu fino trato, a firmeza de caráter e retidão profissional dos médicos José Dunham de Moura Costa e Nelson Costa, bem como de tantas almas grandiosas e de outros grandes homens que continuam a escrever suas histórias nestas terras, como o professor e jurista Francolino Neto, Soane Nazaré de Andrade e outros idealistas que ajudaram a tornar realidade a Faculdade Católica de Direito de Ilhéus, hoje Universidade Estadual de Santa Cruz, elevando sobremodo a cultura do povo ilheense.
Os encantos da terra de São Jorge dos Ilhéus atraem a todos e nos convidam diariamente para a construção de outros fatos sociais que amanhã poderão tornar-se históricos. A terra é fértil e a imaginação que emana da inspiração  dos ancestrais que pisaram neste chão, é infinita.
Nada mais convidativo do que saborear um autêntico quibe árabe acompanhado de um chopp estupidamente gelado no Bar Vesúvio, recanto outrora dos coronéis e do famoso romance do árabe Nacib com a fascinante Gabriela, imortalizada na obra de Jorge Amado, e hoje, ponto de encontro de artistas e pessoas importantes. O bar “Vesúvio” foi inaugurado em 1919 pelos italianos Nicolau Caprichio e Vicenti Queverini, sendo adquirido por Nacib em 1945. Sentar-se à frente do Bar Vesúvio e sentir a brisa que vem do mar é experimentar interiormente um pouco do feitiço e dos mistérios guardados nesse lugar mágico de tantas histórias, encravado entre o Teatro Municipal de Ilhéus e a majestosa Catedral D. Eduardo.
As peculiaridades desta terra são vistas  na linguagem ou na conduta típica de cada morador. O morador do Pontal, principalmente, quando atravessa a ponte não se dirige para o centro, mas para “ Ilhéus “. Salvador é “Bahia”, bebida alcoólica não se ingere, é “comer rama”, e por aí vai, tendo até praia do Marciano.
Certa feita, espairecendo da faina diária nas bandas de Porto Seguro,  saí da comodidade de um bom hotel em companhia de minha família à procura de uma barraca que fornecesse um bom caranguejo e uma "lambreta”. A maratona foi árdua, pois só encontrávamos pratos típicos do Rio ou de São Paulo, quando, finalmente, para gáudio de todos os tripulantes,  encontramos uma barraca do Rei do Caranguejo. O tão procurado marisco estava lá, mas com um pirão tão pálido e umas pernas por fazer que fiquei com dó do bicho. Não merecia tanto desprezo! Também, era caranguejo preparado por mineiro recém chegado à Bahia. Se eles conhecessem o Chinaê, a Barraca Guarani, o Ribeiro  e outras barracas onde se serve muito bem o ilustre marisco, o guaiamu ou uma boa porção de lambreta,  chegariam à conclusão de que a diferença começa pelo paladar. Todavia, é a beleza natural que realça a majestade de Ilhéus, é o morro de Pernambuco sinalizando para os navegantes de além África, o rumo a seguir, é o estuário do Pontal a nos brindar com suas águas mansas, é o encontro do velho Cachoeira com o mar, são as belas praias de areias extensas margeadas por lindos coqueirais a enfeitar a  orla do norte ou as praias do sul, a paradisíaca Olivença, estância hidromineral de localização privilegiada que atrai tantos turistas, fascinados pela beleza e tranqüilidade do local, bem como pelo folclore do sincretismo religioso da puxada do mastro de São Sebastião que é erguido em frente à igrejinha construída pelos padres da Companhia de Jesus em 1700.
Os caboclos de Olivença, provavelmente remanescentes dos tupiniquins, bem como os antigos pescadores do Pontal são pessoas simples, mas cismadas. Se você sai do meio deles e passa a ocupar algum cargo mais importante e se não cometer com eles qualquer desfeita é Deus no Céu e você na Terra, mas se você cair na desdita de, por  mero descuido, não cumprimentá-los, aí, como dizem na gíria popular, “o bicho pega” e dará ensejo ao “ranço do caboclo” , configurado pelo olhar matreiro, retraído, de soslaio, como a dizer: “esse aí é metido a besta!
 Ilhéus é assim mesmo, com toda miscigenação e diversidade de sua cultura, se existe o ranço do caboclo, existe também o ranço do coronelismo, legado da época áurea do cacau e que diferenciava as pessoas pelo sobrenome (patente) ou pelas arrobas de cacau que ainda sonham que possuem, parâmetro que distinguia as classes sociais.
O turista que visita Ilhéus é o de veraneio, normalmente  visualizado num casal e sua prole, que vem em busca de tranquilidade, ouvir uma boa música ao som  de voz e violão e se perder na magia das ruas e maravilhosas praias de Ilhéus. Não há dúvidas que o  clima ameno de Ilhéus, ou seja, quente e úmido, contribui para tudo isso. O cheiro de cravo e a cor de canela da mulher ilheense pontifica sua beleza encarnada na figura de Gabriela . Ilhéus é um palco abençoado por DEUS, protegida por três padroeiros (São Jorge, São Sebastião e Nossa Senhora da Vitória) linda por natureza, rica por sua história de lutas e enredos construída por sua gente  imortalizada nos versos do poeta belmontense Sosígenes Costa, nos romances de Jorge Amado, Adonias Filhos e outros ilustres escritores, como o poeta Melo Barreto Filho, que a imortalizou como princesa do sul, como a seguir se pode apreciar no soneto “Ilhéus”:

"Ilhéus é uma esperança permanente
Voltada para o azul sem fim dos mares
É a princesa do Sul, proclama, crente,
Quem lhe sabe a doçura dos seus lares

Ilhéus é uma certeza que o presente
- sacerdote do tempo – em seus altares
oferece ao futuro onipotente 
Visão maravilhosa dos palmares! 

Ah! Quantas seduções ilhéus encerra!
E o peregrino, seduzido, anseia
Desvendar-lhe os encantos da cidade...

E antes que o peregrino alcance a terra,
Unhão ...Pontal... a terra amiga o enleia
Num amplo abraço de hospitalidade."


Ilhéus é assim, muito mais do que os versos do poeta podem exprimir, pois a sua beleza é inefável e indefinida, só podendo ser verdadeiramente apreciada por quem teve o privilégio de desfrutar intensamente dos encantos de suas esquinas, dos seus morros que circundam a cidade, de suas praias maravilhosas, de sua gente e da pujança de sua rica história, enfim , de seus mistérios. É por isso que a chamo de “ Doce Ilhéus” .


*Marcos Antonio Santos Bandeira é Juiz de Direito da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna-BA e membro fundador da Academia de Letras de Itabuna.