O MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO DEU A PARTIDA





               O MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO DEU A PARTIDA
 
                                                             *Sônia Carvalho de Almeida Maron

        Até que enfim!  Aleluia! Aleluia! Aleluia! A tradição de uma instituição independente, fiscal da lei e guardiã da liberdade do cidadão brasileiro, decidiu assumir o comando do navio que já se assemelhava ao Titanic. O homicida que tirou a vida do cinegrafista da rede Bandeirante, escudado na leniência (ou conveniência) dos responsáveis pela segurança do país, recebeu o que a ação praticada merecia: denúncia por homicídio triplamente qualificado.
        É preciso esclarecer o que significa o crime tipificado na denúncia de uma maneira simples, pois ninguém é obrigado a entender a linguagem do Direito Penal. Como principiante, entendo que se o acusado mata alguém aparentemente sem motivo, sem crueldade ou selvageria, mata até mesmo em  legítima defesa ou outra excludente de criminalidade, diz-se que praticou homicídio simples. Até a pena não passa de vinte anos, em seu grau máximo. O homicídio qualificado é outra história. No caso do rapazinho de jeito inofensivo e cabisbaixo, tirando onda de oligofrênico, o representante do M.P. aplicou a lei ao fato concreto: foi um homicício qualificado por motivo torpe, com uso de explosivo, que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima. Ou seja, na linguagem do Código: art. 121, incisos I, III e IV, pena de doze a trinta anos. É uma prova que não precisamos de novas leis. Precisamos, sim, muito e muito, de homens e mulheres corajosos, comprometidos e independentes que apliquem sem temor e sem tremer as leis existentes, tantas e tantas, esperando sair do cárcere onde estão confinadas. Enquanto as leis permanecerem encarceradas, os bandidos continuarão à solta, impunemente, e o que é pior, protegidos.
        Voltando às qualificadoras escolhidas pelo promotor carioca, destaco a primeira, o motivo torpe, de caráter subjetivo. Por quê? Ora, a torpeza define o perfil de todos os terroristas de ocasião, movidos por interesses escusos e/ou pessoais. Apenas para lembrar, a expressão “torpe”, nos dicionários, é definida como o ato que provoca nojo, asco, que ofende a decência, a moral, é o ato sórdido e por aí vai. A torpeza, se aprofundarmos a análise, poderia incorporar-se a outros crimes como corrupção ativa, formação de quadrilha, peculato, punidos de forma mais branda. Como tais crimes não se desdobram em tipos diferentes (melhor dizendo, não apresentam a forma qualificada) a exemplo do homicídio, é possível manipular a opinião pública e atacar o Ministério Público e o Poder Judiciário como algozes de “inocentes” corruptos e chefes de poderosas quadrilhas, no julgamento desses crimes que dizem “menos graves” e até “insignificantes” quando praticados contra o erário público. Só que os ataques irresponsáveis e levianos às instituições que servem de alicerce à sociedade, destroem os valores e princípios construídos ao longo de toda a nossa história e, em consequência, perdemos a rota traçada de paz e respeito às conquistas do estado de direito.
        A vida é o mais precioso dos bens concedidos ao ser humano e não pode ser banalizada. Como tal, é protegida pelo Estado como prioridade. Proteção similar também merece o patrimônio público e privado em um país civilizado e democrático. Se os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa são pisoteados, caminhamos a passos largos para a barbárie. O cinegrafista da TV Bandeirante estava trabalhando, exercendo com dignidade o seu direito de cidadão livre, prestador de serviço necessário e útil à complexidade da vida social. Do mesmo modo que o pequeno agricultor da cidade de Buerarema.
        Vandalismos, manifestações infestadas de bandidos, invasões violentas orquestradas por quadrilhas, são autênticos atos de terrorismo. São crimes e crimes hediondos, seja qual for a cor da bandeira que ostentem, a sigla do boné, da camisa ou do “cocar”; seja qual for a cor da pele, branca, negra, amarela, vermelha, mestiça ou colorida. Crime é crime, bandido é bandido. E a lei existe para ser interpretada à luz do fato social e situações multifacetadas que apresenta, exigindo solução imediata e eficaz.
        O Brasil não merece as marcas indeléveis de destruição deixadas nas comunidades; as famílias brasileiras não merecem as lágrimas que não param de correr chorando seus mortos. Lembremos que com penas e penachos, vestidos, nus, de colarinho branco ou camiseta, sem terra, com terra, ricos ou excluídos, somos todos brasileiros, aquecidos pelo mesmo sol e sob o abrigo do mesmo céu azul. Não é uma imagem poética. É um sonho possível em uma sociedade que conheça os princípios fundamentais de um estado democrático de direito, presentes no art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil.


                                   *Presidente da Academia de Letras de Itabuna ALITA