R. Santana
Não o conheci pessoalmente. Depois de adulto vi sua
fotografia em um semanário da cidade. Era um gigante, um quasimodo à Notre Dame
de Paris do genial Vítor Hugo, um monstrengo. Não sei também, se sua alma era
tão feia. Sei que ele fazia parte do perigo imaginário de todas as crianças de Itabuna
e cidades vizinhas, principalmente, quando uma mãe queria pôr limite na
desobediência do filho: - se não tomar o remédio vou chamar Jupará! – Aí, o
horror invadia o pobre coitado e ele tomava até óleo de rícino (um laxativo que
o indivíduo enguia os bofes para tomá-lo), um remédio que era usado para purgar
todas as lombrigas e parasitos do intestino da criançada.
Jupará era um mal necessário. Naquela época, o meio
rural era inacessível para carros. Não havia estrada, eram os ramais e os
caminhos que davam acesso às fazendas e buraras de cacau. Eram os burros e os
cavalos, os meios mais usados de transporte. Os fazendeiros preferiam os burros
por serem animais mais argutos e por terem uma sensibilidade e um faro aguçados
para o ataque imprevisível de animais nocivos ao homem, como os picos-de-jaca,
as jararacas, as onças e outros animais não menos nocivos e nem menos ferozes.
Além disso, ninguém tinha coragem para colocar sobre a sela de um animal, um
caixão-de-defunto e embrenhar-se, à noite, mata adentro como fazia Jupará. Ele
prestava esse serviço fúnebre no meio rural, na periferia da cidade, com tanta
presteza e doação na hora da dor e perda de um ente querido, que para aquela
gente sofrida, Jupará era um ser querido e disputado.
Era uma ave agoureira, tinha um instinto tão
apurado que descobria um moribundo a quilômetros de distância. E, quando ele
começava rondar a casa de um doente terminal, tinha-se certeza que o desfecho
era iminente. Às vezes, ele era evitado por muitas famílias supersticiosas.
Havia um boato que Jupará era um necrófilo, tinha
uma atração sexual mórbida por defunto. Que muitas virgens tinham sido
defloradas depois de mortas. Ninguém sabe se esses boatos eram verdadeiros,
todavia, eles povoavam o imaginário daquelas pessoas simples e supersticiosas.
Naquele tempo não havia sala de velório. O corpo
era velado na sala da casa da família. Quando ocorria um velório de um
indivíduo abastado, a família contratava duas ou três carpideiras que com seu
choro triste e as ladainhas cantaroladas, formavam um cenário lúgubre e
melancólico.
No meio da noite, a família do falecido, distribuía
bebida alcoólica e comida aos presentes, era muito comum ouvir a expressão:
“vamos beber o defunto!” Quando era uma família muito religiosa, ao invés de
bebida alcoólica, servia-se suco de fruta, café, bolo de aipim, bolo de ovos ou
bolo de puba; então, biscoitos e torradas.
Conta-se que Jupará tinha sido contratado para
levar um caixão-de-defunto numa fazenda cinco ou seis léguas distantes da
cidade de Itabuna. Quando deixou a cidade, já anoitecendo, embrenhou-se mata
adentro, mas era uma noite de breu, dentro de uma mata fechada, ficou sem
norte. Abriu a tampa da urna funerária, deitou-se dentro da dela, colocou a
tampa por cima e adormeceu.
Pela manhã, quando os trabalhadores em fila
indiana, apontaram na vereda, para podar os cacaueiros e fazer o serviço de
broca para novas plantações, avistaram de longe o caixão-de-defunto à beira do
caminho. Numa reação instintiva e medrosa, começaram esgueirar-se e passar por
longe da estranha e indesejável peça mortificante. Quando todos já tinham
passado e estavam a duas varas de distância, de repente, levanta-se aquele
gigante do caixão funerário e grita com eco:
- Eh! Vocês têm fumo aí? – Foi como se tivesse tido
um estouro da boiada, como se o diabo tivesse aparecido em pessoa. Largaram
facão, foice, enxada, estrovenga, tudo no chão, partindo dispersos dentro da
mata, levando nos peitos tudo que encontrava. Soube-se depois que alguns
trabalhadores ficaram tão estropiados que ficaram alguns dias de molho, sem
trabalhar.
Doutra feita, ela passou a noite sozinho velando o
corpo de uma pobre viúva que não tinha filhos e nem aderentes. No outro dia,
ele e mais quatro filhos de Deus, transladaram o corpo dessa pobre mulher para
o cemitério da cidade de Macuco que distava uns seis quilômetros de onde a
viúva morava. Foi assim através do trabalho mórbido, trabalho que ninguém
queria fazer que o mito Jupará fosse construído no imaginário popular.
Histórias horríveis e crendices fizeram desse maluco ou desse enviado dos céus,
um ser adorado pelos necessitados, repudiado e achincalhado por quem nunca
precisou dele.
Coitado!... Depois de acudir centenas de famílias
no momento de dor e desespero, numa época em que a rede e o banguê serviam para
transportar doentes, moribundos e mortos, acabou-se miseravelmente, ultrajado e
esquecido. Todavia, no livro das histórias extravagantes e excêntricas de
Itabuna, Jupará terá seu nome imortalizado e lembrado. E far-se-ia justiça
histórica se esse benemérito anônimo tivesse seu nome de batismo resgatado e
não o apodo que lhe colocaram para justificar suas excêntricas atitudes de
notívago que como o macaco jupará, conhecido pelo vulgo de
macaco-da-meia-noite, vagava sem rumo dentro da mata.