Faz
alguns dias, eu adquirir o romance “Os ventos gemedores”, do escritor Cyro de
Mattos, tive a ventura de recebê-lo autografado: “Ao Rilvan esses ventos que
atormentam, desejando-lhe boa leitura – Cyro de Mattos”. Como não tenho por hábito participar dessas
noites de autógrafos nem dessas feiras literárias que ocorrem por aí (pois
nunca fui convidado), onde o escritor divulga e autografa seus livros, receber
um livro pelos Correios e autografado, para quem é viciado em leitura, é um ato
que deve ser registrado e compartilhado com os amigos e com os vizinhos.
Cyro
de Mattos é o maior escritor vivo do Sul da Bahia, lamentavelmente, este
reconhecimento não chegou até à capital do estado, haja vista não ter sido
eleito no último dia 5 de novembro deste ano para Academia de Letras da Bahia –
ALB, cadeira 28, eleita a profa. Suzana Alice Marcelino da Silva Cardoso. Porém pela quantidade de votos que obteve,
saiu credenciado para um novo pleito numa eventual vaga por morte de algum
acadêmico.
Pelo
conjunto de sua obra literária (poesias, contos, crônicas, romance, ensaios,
literatura infantil), ele dignifica qualquer academia como membro, pois existe
uma diferença entre conhecer literatura e produzir literatura - quem sabe faz,
quem não sabe ensina -, e sua produção literária é vasta e vai da ficção à
realidade do dia a dia.
Porém, Cyro de Mattos peca pela
autossuficiência e falta de generosidade com os poetas e os escritores
conterrâneos, exceto os que já se foram como Valdelice Pinheiro, Telmo Padilha,
Firmino Rocha, José Bastos, então, aqueles que não precisaram de sua nobreza de
sentimentos como Jorge Amado, Adonias Filho e Hélio Pólvora. Li, não faz muito
tempo, sua carta para poetisa Eglê Santos Machado, onde ele lamenta o descaso
de seus conterrâneos com sua obra literária e queixa-se das aleivosias e falsas
acusações que é vítima, da inveja de muitos e lastima não ser o guru, a
referência literária maior da terra do cacau, etc., etc. – liderança se
conquista por atos e palavras, não se impõe...
Mas, amado leitor, comecei este texto
grato por ter recebido autografado “Os ventos gemedores”, lembra-se? Claro!
Portanto, peço-lhe licença e ao egrégio autor para colocar no papel alguns
comentários sobre essa obra tão divulgada pela mídia tupiniquim. Claro que é
meu ponto de vista, a minha impressão, a minha verdade, certamente, não irá influenciar
no sucesso literário ou fracasso literário dessa obra.
Uma história de ficção linear, nela não
há sobressalto, já no quarto capítulo o leitor faz ilação do que irá ocorrer
nos demais. O enredo foi explorado com maestria por Jorge Amado e Adonias
Filho: a saga do desbravamento da terra do cacau e a imposição do Manda-Chuva
pela carabina dos jagunços e a revolta dos explorados, dos posseiros, dos
índios, os verdadeiros desbravadores e construtores das riquezas e da cultura
do sul baiana. Não se pode comparar “Os
ventos gemedores” às obras “Tocaia grande”, “São Jorge dos Ilhéus”, “Gabriela,
cravo e canela”, “Terras do Sem Fim”, “Luanda Beira Bahia”, “Pulu”, dentre
outros.
Destaca-se nessa obra de ficção do
escritor Cyro de Mattos, os capítulos curtos que condizem com a vida apressada
do leitor moderno, do leitor acostumado com a velocidade da internet, contudo
“Os ventos gemedores” não possui os recursos e as sutilezas literárias das
grandes obras de ficção, além do autor explorar um assunto já esgotado com
vestimenta velha. O autor ao invés de explorar os sentimentos que atormentam a
alma humana, os ventos gemedores que atormentam o homem, aqui, ali e acolá, ele
preocupou-se em desenvolver a luta por terra e a barbárie dos insurretos e dá
um desfecho inusitado na história com uma indigesta, suis generis: “Relação não
Oficial dos Mortos”.
Prezado leitor, abaixo o resumo de “Os
ventos gemedores”, espero ser fiel ao texto, à verdade, minha função não é
criticar, é mais um exercício intelectual, uma maneira de expressar a minha
opinião, sem fumos acadêmicos, comentário de leitor:
O cenário é o território do Japará.
Vulcano Brás “homem de pulso forte e voz impositiva”, um vulcão em brasas, ele
é o senhor e dono absoluto das terras e dos homens desse território. Nada
ocorre em suas terras de cacau, madeira, gado, que lhe contrarie. É o delegado,
o promotor, o juiz, até o papa, pois o padre necessita de sua permissão para
fazer sua missa. O sol nasce em suas terras na serra do Virote e se põe na
serra do Viradouro... Um mundo de terra atravessado pelos rios Joá e Japu.
Vulcano Brás egresso do interior do sertão, de terras inóspitas, improdutivas,
não achou de mão beijada as terras do Japará, enfrentou impaludismo, outras doenças
da mata, onças, picos-de-jaca, macacos, cascavéis, jiboias, índios, posseiros, empurrou
todo pra seu canto com ajuda dos jagunços e construiu um latifúndio produtivo.
Casou-se com Edivina, moça de alma pura, natureza boa, pacata... O casal foi
morar na fazenda Boa Vista, sede do império, tiveram 2 filhos: Olívio e Olindo.
Olívio puxou ao pai, autoritário, cheio de gosto, desalmado; Olindo, natureza
da mãe, gostava de música, amante da liberdade, poeta, filósofo. No sopé da Boa
Vista, ficavam os armazéns de cacau de Vulcano Brás, com seu consentimento,
surgiu a Vila do Pati, aglomerado de casebres toscos e miseráveis. O armazém de cereais, tecidos, insumos
agrícolas, armas e munições de Aparício Pança-Farta, era o que tinha de melhor
naquele mundo de homens escravizados. Na Vila do Pati havia também, uma
feirinha-livre, onde os roceiros e os jagunços trocavam e vendiam suas
bugigangas. O sapeca iaiá corria solto
na Vila do Pati, meninas de 13 anos de idade, brincavam com seus filhos e não com bonecas. Afora os
sonhos premonitórios de Vulcano Brás, tudo ia bem no reino de Abrantes, se
caraminholas de justiça, de liberdade, de terra comunitária e de não exploração
do trabalho, não começassem povoar as cabeças do vaqueiro Genaro, do negro
Guinó, Maria Pendanga, do índio Camamu, e da vingança de Nininha e Almira,
enfim, de dezenas de insurretos, dos revoltados, que nas reuniões à calada da
noite, eles pregavam: “a terra pertence a todos”, “onde um só manda, os demais
não andam, vivem presos numa carga”, “vamos guerrear para ganhar o chão”... Aparício Pança-Forte comungava com algumas
ideias, com os fins e não com a guerra: “a liberdade ganha com sangue não tem
valia”. O ódio e a revolta transbordaram com os maus tratos praticados em
Nininha por Vulcano Brás e o assédio do destrambelhado Olívio por Almira, na
recusa, a estuprou e fez sua marca com ferro e fogo em sua coxa: “agora não
precisa fugir de mim, nunca mais me esquece, para onde for, leva o meu
ferro”. Para alegria dos insurretos, Vulcano
Brás morre de febre reumática. A carnificina ocorreu no cortejo do corpo de
Vulcano Brás para o cemitério rumo ao Vale das Garças. Os tiros certeiros de
Genaro mataram, logo, Olívio e Olindo. Aparício Pança-Forte fez um epitáfio
para Olindo: “O preço pela liberdade neste tipo de combate não poupa nem o
inocente. Morre gente que não faz mal a uma mosca”. O filho de Genaro que fez
música com uma flauta de osso de gavião é quem dar o alarme da vitória dos
insurretos, eles entram cantando na Vila do Pati. O vaqueiro Genaro puxa o
desfile: o peito coberto por uma armadura de couro empunha uma bandeira vermelha
com a inscrição: TERRA DE TODOS. O índio Camamu de cocar segue garboso e Guinó
vestido de pele de onça, de peito erguido, parece o negro Zumbi dos Palmares. Homens, mulheres, meninos, meninas, jovens,
velhos, juntam-se nas portas dos casebres jogando flores e saudando os novos
heróis, os libertadores do povo sofrido e humilhado. Maria Pendanga, a única
mulher revolucionária, ficou enterrada no Vale das Garças. Coube a Almira,
colocar uma coroa de flores da mata na cabeça de Genaro, o principal herói, o
libertador, o novo senhor das terras do Japará.
“Os
ventos gemedores” não é um best-seller e nunca será, é um livro bem escrito,
mas o assunto não mais desperta paixões incontidas como antes, nele não há
curiosidade, foi feito com o uso da imaginação, tudo é ficção, e a saga dos
pioneiros do cacau, os caxixes, a posse da terra a pulso, tudo é conhecido e já
debatido.
Todo
escritor procura o veio da mina, o livro que o imortalizará, o livro que fará a
diferença, não a mesmice, às vezes, o escritor morre e não faz o livro dos seus
sonhos, o livro que fará sair do mundo e entrar na História da Literatura.
Caro
leitor, alguns escritores encontram esse veio da mina, esse livro do canto do
cisne, antes de morrer, o reconhecimento ainda em vida; outros, depois que
morrem. Separei para análise do amigo leitor e encerrar esta crônica, que decerto
tornou-se enfadonha, e encerrar meus comentários, esclarecendo que um livro não
é best-seller em determinado momento, porém, o reconhecimento do talento do autor
e o significado da obra poderão vir depois.
Amado leitor, vejamos a seguir, alguns
sucessos em vida de escritores famosos e sucessos póstumos: Shakespeare com
Romeu e Julieta, Hamlet e Otelo; Dante Alighieri, A Divina Comédia; Antoine
Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe; Maurice Druon, O Menino do Dedo Verde; Machado
de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro; Eça de Queirós, Primo
Basílio; Euclides da Cunha, Os Sertões; Fiódor Dostoiévski, Os Irmãos
Karamazov; Ernest Hemingway, Por Quem os Sinos Dobram e O Velho e o mar; Franz
Kafka, O Processo e A Metamorfose.
Enfim, qualquer avaliação subjetiva é
relativa, só o tempo dirá qual o livro que irá para as prateleiras das
bibliotecas ou vai para os sebos.
Autor:
Rilvan Batista de Santana
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